quinta-feira, 9 de outubro de 2008

«Destruir depois de ler»

Não se trata de uma injunção masoquista ao leitor desta mensagem, mas antes do título do último filme dos irmãos Coen (Burn after reading, 2008). Mais uma vez, grande parte da imprensa ficou-se pela superfície: elenco forçosamente «de luxo» (George Clooney, Brad Pitt, John Malkovich entre outros), resumo enganador (pois dá a entender que se trata de um filme de espionagem), sem esquecer o cliché: «um filme diferente da produção habitual dos Coen. Muito pior de que No country for old men.»
Será que vimos o mesmo filme?
Burn after reading não é um filme de espionagem, nem um filme quase falhado. É antes de mais uma tragédia, pois o que leva as duas personagens principais a mexerem-se é o medo de envelhecer. Vejam a obsessão de Harry Pfarrer (Clooney) e Linda Litzke (Frances Mc Dormand) arredor do seu corpo: o primeiro não para de seduzir mulheres e de fazer desporto e a segunda só sonha em operações de cirurgia plástica para apagar as marcas do tempo. Ambos deixam aos poucos antever um pavor perante a velhice, pavor este que é o motor do guião. A identidade de cada um resume-se a um corpo, o seu, e de tudo que gira a seu redor. Transparece claramente quando Pfarrer ao instalar-se em casa da sua amante só leva o seu tapete de exercícios. Este simples objecto aponta para a superficialidade de uma personagem que se reduz aos seus abdominais.
Obsessão pelo corpo mas também medo do solidão que leva algumas personagens a correr atrás do prazer para tentar esconder o seu vazio bem como a sua infelicidade. Assim, um dos amantes que Litzke encontra na Net não fala, não sorri, nem goza o prazer do encontro. Cada personagem aparece como enclausurado na sua angústia de viver e camufla-a recorrendo a vários expedientes: não só a obsessão pelo corpo ou pelo sexo mas também o álcool como no caso de Cox (John Malkovich).
Desde este ponto de vista, a escolha do elenco justifica-se não só porque se tratam de actores habituais na filmografia dos Coen (Clooney, Mc Dormand), mas porque são também o reflexo trágico dos corpos a envelhecer. Percebemos então que falar do «luxo» do elenco é insuficiente: antes de mais é a coragem deste que é preciso enaltecer. Pois não são muitos os actores que não só assumem a seu próprio envelhecimento como o transformam em matéria para moldar a suas personagens.

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